Em uma recente conversa com minha companheira falamos sobre um tema bem importante e que deveria servir de meta para os gestores públicos, principalmente, os gestores das esferas municipais: Qual seria a "Cidade Ideal"? Ela é uma utopia ou pode ser buscada na prática, com muito trabalho, parcerias e foco no cidadão que habita essa cidade? Resolvi pesquisar sobre o tema. O assunto é tão extenso e complexo que eu acredito ser necessária mais de uma postagem para dissecar o assunto.
Estamos nos "acostumando" com problemas que parecem lugar comum nas grandes e médias cidades, não somente no Brasil, como no mundo, estamos falando de problemas com trânsito, violência, falta de espaços de lazer, transporte público de má qualidade. Esses problemas das grandes cidades são inúmeros e conhecidos, qualquer um de nós que mora em uma grande ou média cidade sabe do que estou falando. A cada debate sobre o tema, porém, fica a pergunta: afinal, como melhorar? O que podemos fazer para lidar com questões tão complexas? É possível melhorar?
Pesquisando a respeito, me deparei com o trabalho de um arquiteto dinamarquês chamado Jan Gehl. Ele pesquisou sobre esses problemas e como poderia se contrapor à eles. Em cima disso, ele elaborou 12 critérios de avaliação para saber se um espaço urbano é de boa qualidade ou não. Esses itens se dividem em três categorias: conforto, proteção e desfrute. A lista foi desenvolvida (e testada durante vários anos) no Center for Public Space Research (Centro de Pesquisa sobre o Espaço Público), na Dinamarca.
Tenhamos muita calma nessa hora, antes de falarmos dos critérios em si, é necessário entender o que Jan Gehl pensa sobre as cidades.
“A raiz desses 12 pontos é uma cidade focada no usuário”, explica o arquiteto Gustavo Ortenblad, da empresa Zoom Arquitetura. “A alma do que o Jan Gehl tenta retomar é a ideia da cidade para as pessoas como um todo. Ele parte do olhar do cidadão para a cidade. E tenta analisar isso de uma forma que não deixa de ser técnica, mas entra no campo do comportamento humano.”, Com estas observações Ortenblad tenta nos mostrar como se deu o pensamento de Gehl para chegar nos critérios que ele elaborou. Esse foco no cidadão, é fundamental para se compreender os estudos de Gehl.
Os amigos do blog dirão: "Mas isso é obvio". Pode até ser uma ideia óbvia na segunda década do século XXI, porém, essa idéia ainda não era uma unanimidade no meio do século passado. De acordo com Ricardo Correa, arquiteto do escritório TCUrbes “Nos séculos XVII e XIX, o lugar público (ou a cidade inteira) era uma área de troca. Os cavalos andavam junto com as pessoas. Você não tinha a definição do que era cada espaço e para que servia. No pós-guerra (a partir de 1950), na Europa ou nos países desenvolvidos em geral, o espaço público foi tomado pelo carro”, A partir dessa proliferação automobilística, acontece uma degradação das áreas urbanas, o que verificamos até os dias de hoje.
No livro "Morte e Vida das Grandes Cidades" de 1961, a jornalista norte-americana Jane Jacobs fez um diagnóstico terrível: A prioridade dada ao uso do carro “mataria” as cidades. Gehl concorda e afirma, no livro "New City Life" (sem tradução em português), que essa mentalidade voltada ao carro permite “planejar e organizar a vida para que não tenhamos que andar ou usar a arena pública da cidade”. Escreve ele: “Muitas cidades nos Estados Unidos sofrem de um fenômeno chamado ‘cidade abandonada’, que significa que o espaço público tem sido negligenciado ao ponto em que as pessoas dispensaram a vida na cidade.”. Um detalhe importante aqui, estamos analisando livros escritos há mais de 50 anos atrás e notamos o quanto essa premissas estão corretas.
Era necessário repensar a maneira de construir e planejar as metrópoles para incluir as pessoas na equação. Foi com essa busca por alternativas a um modelo de cidade que só levava o carro em consideração que Jan Gehl começou a conceber sua ideia de que era preciso pensar na qualidade dos espaços da cidade. Segundo ele, se antes a qualidade de um espaço não tinha função no seu uso, nos novos tempos isso passa a ser um parâmetro crucial.
Gehl começou a experimentar essa idéia na sua própria cidade, quando era funcionário da prefeitura de Copenhague. Como muitas das cidades europeias, a capital dinamarquesa também sofria com a falta de espaços públicos e a predominância dos carros. Por isso, em 1962, desenvolveu a ideia de construir um calçadão só para pedestres em uma das principais ruas comerciais de Copenhague, a Strøget. Sua ideia, a princípio, não foi bem-aceita. Mas, depois que os comerciantes viram um aumento nas vendas, perceberam que a presença das pessoas fez bem aos negócios e à rua.
Esse é o ponto de partida de uma ideia de Gehl que pode ajudar a acabar com os problemas que os espaços urbanos enfrentam pelo mundo: cidades feitas para as pessoas. Aqui eu quero também apresentar uma idéia desenvolvida pelo IPUC de Curitiba, muito sob a inspiração do que vinha ocorrendo na Dinamarca, Curitiba criou a primeira rua de pedestres do Brasil, a pequena Luis Xavier, que logo se expandiu e tomou conta da Rua XV, a chamada "Rua das Flores", na bela capital paranaense. A intenção era a mesma, dar mais espaço para a circulação do cidadão.
Esse conceito é muito diferente do que foi usado na concepção e planejamento de Brasília, por exemplo. Em entrevista em julho de 2011, Gehl analisou a capital do Brasil: “Quando a olhamos do céu, ela é incrível, mas, quando a olhamos do chão, parece que estamos em uma maquete fora de escala”, disse o arquiteto dinamarquês.
“É tudo grande demais, as distâncias são impossíveis de ser percorridas pelo corpo humano, e os monumentos, grandes demais para apreciarmos a partir de nossa altura”, prosseguia. “Isso sem contar a falta de calçadas e ciclovias. Se você não tem um carro em Brasília, fica impossível se locomover”, concluiu.
Quem conhece a capital federal pode analisar bem a visão de Jan Gehl.
Por isso, Gehl passou a se dedicar a olhar para a “escala humana” em vez de prestar mais atenção à forma dos prédios, ruas e praças. “É fundamental que encontremos pessoas com outros estilos de vida e outras culturas para uma troca social e cultural da nossa vida diária e pública, que pode ser baseada em confiança e experiências de primeira mão”, afirma o arquiteto. Portanto, o mais importante na cidade é o encontro, as trocas entre as pessoas, sejam sociais, comerciais ou culturais.
“Essa mudança de ponto de vista, a partir do ser humano, é uma nova escala de compreensão da cidade”, afirma Gustavo Ortenblad. Uma mudança que começa com o planejamento, que antes era resolvido dentro dos escritórios, das áreas técnicas, muito pouco atentas ao que de fato estava acontecendo quanto ao comportamento das pessoas, um urbanismo feito de cima para baixo. Não se pensava no individuo, nas suas necessidades e na sua locomoção, apenas se levava em conta aquilo que era definido nos escritórios de arquitetos e urbanistas e nos gabinetes de políticos. (segue)
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