Participando de uma mesa de
debates hoje, foi colocado na conversa a concepção de Estado. E acabei por
presenciar inflamados discursos sobre a necessidade de um “Estado Mínimo”, onde
o papel desse Estado seria apenas o de mediar determinadas questões e onde o Mercado
seria o condutor do desenvolvimento. Aí me veio a pergunta: “Estado Mínimo” é
possível? Claro que é. É duradouro? Não e nem pode ser!
O maior problema do estado mínimo
é que ele invariavelmente acaba por gerar o pior dos monstros: um estado
poderoso e totalitário.
A pergunta que dá título a
esta postagem não apenas pode ser explicada em bases teóricas como também pode
ser comprovada de forma empírica.
Comecemos pelo melhor e
mais nítido exemplo de todos: os EUA. Como assim, os Estados Unidos são
totalitários? Vamos aos fatos: O experimental modelo americano
de estado no século XVIII, ou seja, a Revolução Americana e o conseqüente
estabelecimento de uma República Constitucional soberana e independente foram
idealizados com a clara intenção de criar e manter o menor governo da história
humana até então.
Esse era o objetivo dos “Pais
Fundadores” dos Estados Unidos: George Washington, John Adams, Thomas
Jefferson, James Madison, Alexander Hamilton, Benjamin Franklin e John Jay, esses
senhores, sob as influências pós-iluministas e com as idéias de estado mínimo
pregadas por Adam Smith, tinham como objetivo específico, criar o menor governo
da história. E foi esse objetivo que fez com que construíssem um modelo de estado
até então, sem precedentes no Ocidente.
Até ai tudo bem.
Agora, suponha você, leitor, que eu te diga que descobri a cura do câncer, e
que basta tomar esse remédio que eu criei e você estará imune à qualquer tipo
de tumor cancerígeno. Se todo mundo tomar do meu remédio e o resultado
for um aumento assustador do número de pessoas com câncer, especificamente
infligida sobre aqueles que tomaram meu remédio, então, nesse cenário,
poderíamos dizer com certeza que meu remédio não apenas não está funcionando,
mas está fazendo justamente o oposto: está infectando pessoas ao invés de
curá-las.
Podemos chegar a uma
conclusão bem lógica sobre o meu experimento. Meu remédio não produz a cura;
ao contrário, ele produz a doença!
Agora vamos analisar qual
foi o resultado do experimento governamental americano, com estados
praticamente autônomos e com um governo federal mínimo.
Não há a menor dúvida de
que o sistema de estado mínimo foi adotado pelos americanos: Não havia impostos
de renda, o governo federal era minúsculo, não havia impostos estaduais (apenas
uma ou duas tarifas sobre bens de consumo), não havia um exército permanente, o
governo não controlava a oferta monetária e não havia dívida
interna. Havia uma Constituição que era tida como a lei suprema e havia um
congresso cuja única função era garantir que essa Constituição não fosse
desrespeitada (percebe ai o cuidado em se ter a mínima interferência do Estado
no cotidiano do cidadão americano?)
Sem dúvida alguma era um
sistema excepcionalmente bem concebido.
Repito: o experimento
americano foi elaborado especificamente para criar o menor estado possível,
sendo que existiam várias ferramentas que possibilitavam manter um controle
efetivo sobre o tamanho desse estado. O objetivo desse experimento era não
permitir a existência de um poder central e autoritário, impedindo que ele se
crescesse e se tornasse uma “tirania”, como a do Rei George III, de quem esses
colonos haviam lutado muito para se libertar e não queriam que a história se
repetisse.
Bem, mas afinal, qual foi o
resultado disso?
Na tentativa de criar e
manter o menor governo possível, o resultado acabou sendo a criação do maior e mais poderoso governo que o mundo jamais viu.
Sugiro que o amigo faça uma
pequena pausa para digerir essa constatação, um tanto paradoxal, eu diria, pois
é algo complexo e ao mesmo tempo simples de se constatar. O objetivo do
experimento americano era criar o menor e mais enxuto governo que o mundo já
viu, correto? Correto.
Só que o resultado foi a criação
do maior, mais intruso, mais poderoso e mais gigantesco estado que o mundo
jamais viu, dotado de armas de destruição em massa, mais de 700 bases militares
ao redor do planeta e com a capacidade de exterminar toda a vida da
terra.
Trata-se de um estado tão
enorme que faria o Império Romano, no auge do poder dos Césares, parecer uma
agência local do Correios.
Mas isso é perfeitamente
explicável. Infelizmente é algo natural e inevitável. Pois quanto
menor é o estado, quanto mais você o restringe, mais produtivo torna-se o
mercado. Quanto mais produtivo é o mercado, mais rápido a economia cresce
e mais riqueza ela gera. E o livre mercado é tão produtivo que ele é
capaz de agüentar por muito tempo um enorme crescimento da tributação e um
grande agigantamento do poder estatal, até chegar a um ponto em que ele,
mercado, inevitavelmente irá ceder. (este é exatamente o momento que os
EUA estão vivendo agora).
Portanto, o que acontece é
que, quando você minimiza o estado, paradoxalmente você faz com que a
lucratividade de se aumentar posteriormente o tamanho desse estado seja muito
maior, pois haverá muito mais riqueza para tributar e mais recursos para se controlar,
duas das coisas que mais seduzem qualquer estado.
Visto que o estado adquire
muito mais dinheiro e poder quando ele tributa uma economia que se desenvolveu
e enriqueceu com um livre mercado, ele ganha a capacidade de fazer coisas
terríveis, como desenvolver armas de destruição em massa, manter um
incomparável estado belicista e assistencialista e comprar grandes seções da
população, tornando-as permanentemente dependentes do estado. Percebem a “simplicidade”
do paradoxo?
Imagine que você é um
fazendeiro e descobre um modo de fazer com que suas vacas produzam dez vezes
mais leite que o normal. Qual seria o resultado? Você estaria
fazendo com que suas vacas passassem a ser muito mais valiosas sob a ótica dos
outros fazendeiros, que passariam a fazer de tudo para tê-la.
O raciocínio é o mesmo
quando você tem um governo mínimo, cada indivíduo torna-se muito mais produtivo
e valioso por causa da escassa interferência governamental. Qual será a conseqüência?
Esse indivíduo tornar-se-á muito mais atraente para o estado, que sem
dúvida irá querer comandá-lo no futuro.
Os menores estados sempre
acabarão gerando estados maiores. É impossível que não seja assim. Não conheço
na história um contra-exemplo dessa afirmação e acredito que nem produziremos
um exemplo no futuro.
Falemos da Inglaterra, por
exemplo: O estado que surgiu como resultado da cisão entre esse mesmo
estado e a Igreja, bem como da derrota da aristocracia no final do século XVIII
e início do século XIX, era de longe o menor governo da Europa. O que ele
produziu? Simples, produziu o Império Britânico! (“o Império onde o sol
nunca se punha”).
Os países escandinavos passam
por um processo semelhante também. Estados enxutos até o final da Segunda
Guerra, detalhe, da qual eles não participaram o que ajudou a preservar sua riqueza,
com uma unidade fundamentada em uma tradição, acabaram gerando estados
agigantados que controlam o cidadão do berço até o túmulo. E quanto mais eles
vão diluindo essa tradição, mas o “fantasma” do totalitarismo começa a ameaçar essas sociedades. Concordo
que o tempo de prosperidade deles é muito curto para fazermos uma analise mais
aprofundada, mas a história nos mostra vários exemplos.
A Irlanda é um caso também
interessante de ser analisado: Um estado falido até o final da década de
80 encolheu e deu lugar a uma economia vibrante. Resultado disso?
Um inchaço sem precedentes do setor público, um estado assistencialista como
nunca visto na história do país, o empreendedorismo foi reprimido, um déficit gigante e um governo que
passou a participar de setores-chave como transportes, mídia (rádio e
televisão), e geração e transmissão de eletricidade. A educação primária,
secundária e universitária tornou-se "gratuita", a saúde é
"pública" e a previdência é controlada pelo estado. O orçamento
do governo, obviamente, estourou. (faz lembrar algum País que você conhece?)
Como eu escrevi
anteriormente, tudo isso não só é previsível como também é inevitável.
Sempre que você minimiza o estado, você aumenta o valor de toda a economia,
fazendo com que o governo tenha condições
de aumentar seu tamanho e poder para dimensões ainda maiores do que as
atuais.
Resumindo, se você sonha em
diminuir seu estado para algum limite constitucionalmente imposto, e suponhamos
que você de fato consiga isso, o que irá acontecer é que todo o processo de
agigantamento irá inevitavelmente recomeçar após algum tempo. Sim, você
pode desfrutar alguns anos de liberdade, mas sem dúvida seus descendentes
seriam submetidos a um governo ainda mais totalitário do que aquele sob o qual
você viveu.